Apesar de um processo eleitoral baseado em uma democracia representativa, a atuação da população brasileira nas tomadas de decisão do governo é limitada e deixa os cidadãos à margem dos processos políticos. A partir disso, começam a surgir formas diferenciadas de compor um gabinete, como é o caso dos mandatos coletivos. Continue a leitura e entenda como funciona de fato uma candidatura coletiva e quais são suas particularidades ou clique aqui e entenda em menos de dois minutos o funcionamento dessa nova forma de fazer política.
Mas, afinal, o que é um mandato coletivo?
Uma candidatura coletiva se trata de um grupo de pessoas que se unem e dividem o mandato de algum cargo político, repartindo as responsabilidades e decisões na Câmara ou em outra instância. Essas pessoas têm, então, o intuito de agregar as diferentes realidades, necessidades e ideias à gestão do mandato, levando suas questões para dentro do ambiente político.
Dessa maneira, constrói-se uma política com visão mais ampla, comunicativa e com a participação popular, pois o representante abre espaço para ações mais plurais, que tendem a neutralizar interesses individuais. Ainda que permitido, o lançamento desse tipo de mandato compartilhado, até o momento, não conta com nenhuma lei que o regularize. A deputada federal Renata Abreu, do Podemos, propôs, em 2017, a PEC 379/17, inserindo parágrafo ao art. 14 da Constituição Brasileira, cujo intuito era regulamentar esse formato. No entanto, a proposta ainda segue em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O cenário faz com que esses mandatos sejam obrigados a ter um representante legal. Ou seja, alguém que apareça nas urnas na hora da votação e que detenha o poder de voto na câmara, estando registrada legalmente no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do seu estado. No entanto, em dezembro de 2021 o TSE aprovou uma resolução que permite incluir junto ao nome do representante o nome do coletivo que o apoia, desde que respeitando o limite máximo de 30 caracteres. Ajudando o eleitor a identificar de forma mais clara a candidatura coletiva.
Perspectivas de crescimento: a expansão dos mandatos coletivos nas eleições de 2022
As candidaturas coletivas se tornam inovadoras em um cenário em que a população se mostra cansada e não representada pelo atual modelo político. A ideia de um grupo diverso que traz visões diferentes de problemas sociais e soluções para eles com base numa discussão coletiva, ao invés de um único legislador que carrega consigo apenas sua visão e seus interesses, tem causado um sentimento de esperança popular. E por isso esse modelo tende a crescer nas eleições de 2022.
Apesar de inicialmente o modelo ter sido colocado em prática para mandatos do poder legislativo municipal, a previsão é de que, com as eleições de 2022, os mandatos estaduais e federais ganhem espaço, devido à força que essas candidaturas apresentaram nas eleições de 2020.
Segundo o portal Mais Brasil News, no Distrito Federal, grupos militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) já se articulam para apresentar uma candidatura coletiva para mandato de deputado federal. Dentre esses grupos, existem pessoas de diferentes tipos de movimentos, como negro, LGBTQIAP+, feminista, pela educação e pelo direito de pessoas com deficiência. Estes acreditam que a pluralidade é um dos caminhos para uma democracia mais justa e efetiva.
Pré-candidatas do Coletivo Chão/PT na militância no Dia Internacional da Mulher, 8 de março.
Foto/divulgação
Além disso, de acordo com o sociólogo Igor Paes Leme, a ideia de mandatos coletivos possivelmente terá o seu lugar com maior força daqui por diante. “Imagino que seja uma tendência. As candidaturas ou mandatos convencionais ainda vivem seu tempo, logo são mais comuns. No futuro, talvez percam cada vez mais espaço para esse movimento de mandatos que se veem como coletivos. Porém, é uma aposta. Só saberemos quando o momento tiver passado para aí, sim, termos uma visão desse crescimento e se essa configuração se tornará comum ou não, se formalizará ou não: a coruja de Minerva só levanta voo ao entardecer.”
O significado social e histórico das candidaturas coletivas
Uma das primeiras candidaturas coletivas internacionais surgiu na Suécia, em 2002. Um grupo de professores e alunos de uma escola em Vallentuna decidiram criar um partido e lançar uma candidatura com uma proposta coletiva, em que todos os eleitores teriam influência sobre o posicionamento do parlamentar.
No Brasil, esse estilo de mandato teve início gradualmente a partir da década de 90. No entanto, o movimento cresce substancialmente em número e organização a partir de 2016. Segundo um levantamento realizado pelo CEPESP (Centro de Política e Economia do Setor Público) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o número total desse tipo de candidatura passou de 13, em 2016, para 257 em 2020.
A maioria dessas propostas são de partidos de esquerda, e o que mais se destacou em quantidade foi o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). É importante salientar que a maioria das candidaturas compartilhadas aqui no Brasil são majoritariamente formadas por mulheres. E a que esse fato está relacionado?
Segundo o diretor do PSOL do município de Petrópolis, Lorran Kaseskey, o partido vem, desde 2016, apostando em candidaturas compartilhadas por esses mandatos dialogarem diretamente com a sua ideologia socialista que preza pela coletividade. A primeira experiência com esse tipo de candidatura foi em Belo Horizonte, Minas Gerais, com a “Juntas”. Agora o PSOL vem lançando cada vez mais gabinetes abertos para disputa de cargos públicos.
Em Petrópolis, município localizado no interior do Rio de Janeiro, a primeira candidatura compartilhada da cidade surgiu nas eleições municipais de 2020: a Coletiva Feminista Popular. O grupo, que se candidatou à Câmara de Vereadores, é filiado ao PSOL e é formado por quatro mulheres. Para elas, fazer política é um processo coletivo e que deve ser feito sempre em conjunto direto com a população.
Segundo a advogada Maiara Barbosa, a intenção de lançar uma candidatura coletiva era deixar muito transparente para a população como é um processo de construção política, mostrando para as pessoas que ninguém trabalha sozinho e que tudo é pensado de forma conjunta. A ideia de ter quatro pessoas em um mesmo mandato era trazer para a comunidade petropolitana essa perspectiva de construção e execução política através do comunitário.
Além disso, a Coletiva Feminista Popular tem como um dos principais objetivos levar as pautas das mulheres para a atuação política e fortalecer a posição feminista dentro dos espaços públicos. A professora de filosofia Júlia Casamasso ressalta a importância desta candidatura para a cidade:
“Aqui em Petrópolis, temos uma realidade muito complicada para nós, mulheres na política, visto que só elegemos quatro mulheres, e apenas uma delas foi reeleita até então. Das quatro, nenhuma se diz feminista ou lutou de fato por políticas públicas voltadas para mulheres. Então, é muito importante uma candidatura igual a nossa para a cidade, porque aqui o conservadorismo é muito forte. Nossa candidatura não se trata apenas de representação, nós temos todo o nosso programa político voltado para atender as demandas femininas e fazer política com as mulheres.”
Cris Moura ainda fala sobre como a Coletiva busca políticas públicas que contemplem e melhorem a realidade feminina, em que a mulher é responsável por duplas e até triplas jornadas de trabalho.
Com o resultado da votação municipal no dia 15 de novembro de 2020, a Coletiva Feminista Popular ficou em quinto lugar das candidaturas mais votadas em Petrópolis, com 2.561 dos 146.243 votos válidos. Mas, devido ao coeficiente eleitoral, o grupo não foi eleito, ficando na primeira suplência na câmara.
Nenhuma das integrantes da Coletiva havia concorrido a cargos políticos antes, o que pode nos fazer perceber a grande expressividade da campanha em sua primeira eleição. Elas ressaltam que a luta ainda não acabou, está apenas começando. Em suas redes sociais, se pronunciaram expressando que a Coletiva tem um compromisso e responsabilidade com todos que votaram, e que irão continuar ouvindo e construindo junto com a população petropolitana.
“Para muitos, a sobrevivência da própria democracia representativa institucional depende da inserção de novas formas de participação popular e que a população ocupe cada vez mais espaços nesses meios. A configuração de candidaturas e mandatos sob os quais falamos aqui seria uma das possíveis respostas a este desafio, já que se coloca como alternativa ao modelo tradicional de mandato em que o representante eleito monopolizaria as tomadas de decisão, com o princípio de que possui a confiança e o endosso prévio de seu eleitorado. Sendo assim, é de se esperar o aumento dessas novas formas de se fazer política”, avalia o cientista social Igor Paes Leme.
Candidaturas Coletivas ganham novos espaços ao redor do Brasil
Nas eleições de 2020, o município alagoano de Rio Largo (AL) elegeu o grupo "Agora é nossa vez” do Podemos, uma candidatura coletiva formada por cinco pessoas, para representar a cidade dentro da Câmara Municipal. O grupo foi eleito com 805 votos válidos, ficando em primeiro lugar dentre os candidatos a vereador do partido e com a diferença expressiva de mais de 300 votos em comparação ao segundo colocado. A cidade tem 306.678 habitantes.
O grupo é plural, tanto na composição quanto nas causas que cada um defende, e ganhou a oportunidade de defendê-las durante os quatro anos de mandato. EL Lessa, participante do grupo e presidente da UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Rio Largo) relata que a ideia de fortalecer uma única candidatura, se deu por meio da possibilidade de diferentes pensamentos e causas se unirem e ganharem voz dentro da instituição legislativa da cidade.
Lessa conta que essa candidatura coletiva traz a oportunidade de terem uma visão geral da cidade pelo fato dos participantes estarem localizados, geograficamente, em diferentes pontos do município. Além disso, ele explica que os membros participam dos conselhos municipais de diversos segmentos, para que cada um possa ser a referência dos problemas e do diálogo, com as categorias que buscarem essa proteção e esse apoio, dentro do contexto político.
Por ser um acontecimento inédito na cidade, a candidatura do “Agora é nossa vez” gerou muitas dúvidas na população, principalmente nos mais velhos. As principais questões eram sobre a divisão do salário e se a foto com todos os participantes apareceriam na urna eletrônica na hora de registrar o voto. Lessa declara que eles optaram por não receber remuneração, mas mantiveram a participação nas decisões do município a partir do acordo de manter as tomadas de decisões dentro do grupo e serem representados no parlamento por Rafael Feitosa, que compõe a candidatura coletiva.
Em Juiz de Fora (MG), a candidatura coletiva do grupo “Agora é nós por nós mesmos”, pelo PSOL, também participou das eleições municipais de 2020, com a proposta de um mandato coletivo comunitário. O grupo é formado por cinco pessoas atuantes em áreas distintas, mas que têm algo em comum: querer que as periferias juizforanas tenham voz nos espaços legislativos.
Membros da coletiva “Agora é nós por nós mesmos”.
A base ideológica deles parte do eixo da inversão de prioridades, que segundo o coletivo é “o olhar de dentro da periferia para o centro”, onde as demandas das comunidades vão determinar a atuação do grupo no espaço do poder legislativo. Por isso, os integrantes entendem que o diálogo de sua candidatura com a cidade se dá através do olhar periférico sob os problemas e questões do município.
Apesar de não terem sido eleitos, o coletivo obteve uma participação significativa na eleição, com um total de 627 votos válidos. Levando em conta a falta de experiência da população com esse tipo de proposta, o baixo orçamento que tiveram durante a campanha e pela participação principiante no processo, o coletivo considera um resultado muito promissor, inclusive para participação de futuras eleições.
Diferentemente da candidatura coletiva de Rio Largo, o grupo juizforano tinha o objetivo de dividir o salário, assim como as tarefas e compromissos. E isso também foi questionado pela população, como aconteceu com o coletivo alagoano. O grupo “Agora é nós por nós mesmos”, explica que esses questionamentos são efeitos do pensamento patrimonialista.
Além disso, o grupo afirma que o que mais incomodava a população era a ausência de uma única figura para representar o grupo, eles declaram que isso acontece porque “somos acostumados a votar em personalidades e não nas ideias”. Eles também entendem que a candidatura coletiva é essencial, tanto para quebrar essa ideia de personalismo, quanto para a democracia, além de auxiliar no surgimento de novas lideranças, no crescimento de consciência das comunidades e a elevar a importância política ao voto.
E aí, você já conhecia esse tipo de mandato? Qual é sua opinião sobre essa nova forma de exercer política? Comente aqui a sua percepção!
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